O Núcleo TransUnifesp reúne, há mais de três anos, diversas iniciativas voltadas à população transgênero e intersexo

Texto: Valquíria Carnaúba

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Fotografia: torbakhopper / flickr

Em maio de 2019, mês em que o desemprego atingia cerca de 13 milhões de brasileiros, o Núcleo TransUnifesp, por meio do projeto de extensão Extramuros, reuniu 40 pessoas no Anfiteatro Nylceo Marques de Castro (Campus São Paulo) para falar de empregabilidade e empreendedorismo entre o público trans. Maitê Schneider, uma das fundadoras do TransEmpregos, plataforma que intermedia pessoas trans e recrutadores do mercado de trabalho, compartilhou seus 32 anos de trajetória profissional. 

Schneider afirma que a regra entre pessoas transgênero é o abandono do estudo, refletindo em alto índice de ocupação em subempregos ou a opção pela prostituição. “Uma outra parcela das pessoas trans vai para o empreendedorismo devido a um sistema corporativo engessado, repleto de dogmas e filtros seletivos. Como há muitas que desejam, ainda assim, atuar nas corporações, é nosso papel potencializar esses sonhos”, observa a palestrante. 

Além dela, outros profissionais de atendimento do Núcleo TransUnifesp trocaram experiências nessa roda de conversa aberta ao público. Carlos Alberto Bricoli, terapeuta ocupacional, tratou, a partir do conceito de integralidade em saúde e sua relação com o direito ao trabalho, sobre a importância de realocar pessoas transgênero no mercado de trabalho.

As discussões levantadas nesse e em outros encontros evidenciam a atualidade e a inegável importância das ações extensionistas oferecidas pelo Núcleo TransUnifesp, coordenado por Magnus Dias da Silva, livre docente do Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, e Denise Leite Vieira, psicóloga e professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da mesma instituição. A instância concentra um amplo conjunto de atividades de estudo e produção do conhecimento, acolhimento, promoção de saúde e cidadania das populações trans (mulheres transexuais, travestis, homens trans e gênero não binário) e intersexo (termo que se refere às mais de 40 variações em que uma pessoa nasce sem se encaixar no que é dito como feminino ou masculino).

Regido por uma Carta de Princípios relacionada à diversidade sexual, aprovada pelo Conselho Universitário (Consu/Unifesp), o Núcleo TransUnifesp compreende as atividades de graduação (estágios e trabalhos de conclusão de curso), assistência, por meio de seu ambulatório, e extensão universitária com o Programa Multtisaberes e os projetos vinculados – Extramuros e Diálogos de Capacitação, em execução, e os finalizados TransAmigo e Babadeires. “O sucesso do programa começou depois da primeira turma da disciplina eletiva oferecida para todos os estudantes de graduação da área da saúde, denominada Sexualidade e Saúde Sexual, criado e coordenado por Vieira. A partir de debates com estudantes, foram pensadas novas frentes extensionistas vinculadas ao núcleo”, observa Dias da Silva.

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Estudantes, docentes e voluntários presentes na reunião científica do Núcleo TransUnifesp, realizada em maio deste ano, sob o tema Mercado de Trabalho (Fotografia: Valquíria Carnaúba)

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Maitê Schneider afirma que diversas empresas ainda hoje têm dificuldade em sair da teoria e praticar a diversidade. “Nossa identidade ainda é muito ‘fetichizada’. Ou estamos nas páginas policiais, ou estamos no programa de televisão fazendo um show [que vou fazer no final para os que ficarem]”, brinca (Fotografia: Valquíria Carnaúba)

TERMO TENTATIVA DE DEFINIÇÃO
Sexo  Classificação biológica das pessoas como machos ou fêmeas, baseada em características orgânicas (cromossomos, hormônios e órgãos reprodutivos)
Intersexo  Pessoas intersexo apresentam, ao nascimento, infância ou na adolescência, variação da genitália (interna e externa) que não se encaixam na categorização binária macho ou fêmea
Orientação sexual  Classificação pessoal relativa a atração afetiva e sexual por outro. É a sexualidade vivenciada internamente em projeção com alguém de mesmo gênero (homossexual: gay ou lésbica), diferente (heterossexual), por ambos os gêneros (bissexual) ou indiferente (assexual)
Gênero  Classificação pessoal e social das pessoas como homens ou mulheres. Compreende um conjunto de papéis e expressões de gênero e independe do sexo de nascimento
Identidade de gênero  Gênero com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento
Cisgênero  Pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando de seu nascimento
Transgênero  Pessoas trans que não se identificam, em diferentes graus e períodos de vida, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi atribuído quando de seu nascimento
Crossdresser  Pessoa que periodicamente se veste, usa acessórios e/ou reitera expressões de gênero diferentemente do que é socialmente estabelecido para o seu gênero atribuído ao nascimento, porém sem se identificar como travesti ou transexual
Transexual  Termo genérico que caracteriza a pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento
Homem transexual  Pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal como homem. Alguns também se denominam transhomens ou homem trans, ou ainda do inglês Female-to-Male (FtM)
Mulher transexual  Pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal como mulher. Algumas também se denominam transmulheres ou mulher trans, ou ainda do inglês Male-to-Female (MtF).
Travesti Denominação autoproclamada de uma pessoa que vivencia papéis de gênero feminino, mas não se reconhece como homem ou mulher, entendendo-se como integrante de um terceiro gênero ou de um
não gênero
Drag Queen/Drag King Artista transformista que se veste de maneira estereotipada e alegórica, conforme os papéis de gênero masculino ou feminino, como arte ou entretenimento
Queer Pessoa trans não binária, ou andrógino, que não se enquadra em nenhuma identidade ou expressão de gênero fixa. Termo que pode variar em diferentes culturas e sociedades
 Fonte: JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. In: 2012. Guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. [e-book] Disponível em: <http://www.sertao.ufg.br>. Acesso em: 26 Set. 2019.

Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans Professor Roberto Farina

Há mais de três anos, o Núcleo TransUnifesp realiza, na última terça-feira de cada mês, reuniões abertas ao público para discussões e trocas sobre temáticas relacionadas à diversidade sexual e de gênero.

Ambulatório do Núcleo TransUnifesp

Inaugurado em 2017, é a parte assistencial do Núcleo TransUnifesp. Recebeu esse nome em memória a Roberto Farina, cirurgião plástico da EPM/Unifesp e pioneiro na cirurgia urogenital para transexuais no Brasil, em 1976. O atendimento ambulatorial conta hoje com profissionais das áreas da cirurgia plástica, endocrinologia, enfermagem, fonoaudiologia, ginecologia, psicologia, psiquiatria, serviço social, terapia ocupacional e urologia. Adicionados recentemente, residentes da endocrinologia, psiquiatria e medicina geral e de família também oferecem apoio. Abre suas portas à comunidade trans todas às terças-feiras, das 13h às 17h, na Rua Napoleão de Barros, nº 859.

Programa Multtisaberes de Cidadania e Saúde para Travestis, Transexuais e Intersexo 

Conjunto de atividades voltadas ao acolhimento e à promoção de saúde da população composta por travestis, mulheres e homens transexuais e intersexo. Visa, também, a troca de conhecimentos científicos e saberes populares. Apoia ações de outros setores acadêmicos da instituição e de movimentos sociais, como o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), visando à redução da homotransfobia. 

Projeto Diálogos de Capacitação do Atendimento

Pretende contribuir para o acolhimento e atendimento humanizado, livre de preconceito e discriminação, realizando rodas de conversa em cada setor solicitante, palestras, seminários, cursos e apresentação dialogada sobre diversidade sexual e de gênero para profissionais da saúde. A proposta não se restringe às equipes de saúde, mas compreendem todos os trabalhadores que atuam nos equipamentos de saúde da Unifesp e fora, especialmente em hospitais e unidades básicas de saúde (UBS).

Projeto Extramuros

Visa incentivar as ações de extensão protagonizadas pelos estudantes e profissionais de saúde - de dentro e de fora da universidade - a integrarem, por meio de reuniões mensais, fóruns, seminários, congressos e semana da diversidade, a população de travestis, mulheres e homens transexuais e pessoas intersexo.

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(Fotografia: Daniel Patini)

“A criação e o desenvolvimento das atividades do Núcleo TransUnifesp nesses últimos anos só foram possíveis porque conseguimos fazer aproximar e prosperar o espírito extensionista e transformador social, vanguardista e solidário, libertador e inovador no modo de pensar acadêmico dialógico, de um grupo de pesquisadores e estudantes. Para ele(a)s nossa gratidão: Adriano Brasolin, Aécio Gois, Ana Fanganiello, Anderson Rosa, Ariadne Ribeiro, Bernardo Bahe, Caroline Hur, Claudia Takano, Cristiana Silva, Cristiane Gonçalves, Ivaldo Silva, Daniela Monteiro, Danilo Rosa, Denise Vieira, Élen Santoro, Maria Ester de Almeida, Eunice Santana, Fernando Calderan, Fernando Silveira, Gustavo Parra, Giovanna Zavadzki, Jair Mari, Juliana Portas, Juliana Alves, Lydia Ferreira, Maria José Fernandes, Marair Sartori, Marisa Mota, Mariana Rosa Borges, Matheus Brandão, Nayla Pereira, Pedro Paulo, Natalia Rocha, Raiane Assumpção, Rafael Zeni, Raquel Pimentel, Renata Azevedo, Valéria Petri, Samira Yarak e Soraya Smaili.”

Magnus Silva

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